Há mais ou menos um mês, surgiu na imprensa
esportiva a notícia de uma fanpage no FB de uma torcida-gay do Atlético Mineiro
e essa semana saiu outra de que o trio de ferro paulista também tem as suas.
Não vejo muito como se discutir se quem criou as fanpages está certo ou errado,
se tem o direito ou não, afinal gays são pessoas normais tão normais
quanto o resto da população e parte deles deve gostar de futebol. Assim como
existem comunidades virtuais de judeus corinthianos (deveria se chamar
"duas pragas" - eu posso fazer a piada, sou judeu), são-paulinos de
tal escola, palmeirenses de determinado bairro, etc, faz sentido os
homossexuais de tal time desejarem se comunicar.
O fato, no entanto, gerou revolta dos
torcedores heterossexuais (exploraremos o motivo disso mais pra frente), como
era de se esperar e tal qual é o objetivo das fanpages. E aí é que reside a
minha única questão com essas páginas: elas usam o nome dos times e a paixão que
seus torcedores têm por eles em prol de sua causa (causa muito justa e
praticamente indiscutível), sem dar ao time a importância que ele tem para esse
torcedor. No momento em que escrevo esse texto, dos 10 últimos posts de cada
página, em média apenas 2,5 tratavam de assuntos dos respectivos times (GaloQueer - 4, Bambi Tricolor - 3, Corinthians Livre - 2, Palmeiras Livre - 1. Os
likes tinham quase a mesma proporção: 26%). Ou seja, a proposta é dizer
"gays são tão torcedores quanto vocês, nós somos normais e isso aí que
vocês se identificam tanto e tem tanto orgulho, pode ser nosso também! Não se
sintam superiores ou diferentes por gostarem de futebol, nós também
gostamos!", mas o que eles terminam fazendo é simplesmente associar o nome
e símbolo do time a uma fanpage GLS. Termina sendo mais uma provocação do que
uma demonstração de igualdade.
Eu até entendo a provocação, ainda mais se
tratando de um público que tende à ignorância e, principalmente nas torcidas
organizadas, cultua a intolerância, mas ao colocar em segundo plano algo
sagrado para os outros não se gera um sentido de igualdade, que deveria ser o
objetivo de tudo isso.
Uma segunda questão é: por que incomoda tanto
aos torcedores "tradicionais" que existam e se assumam torcedores
homossexuais de seu time? A princípio, quanto mais torcedores do seu clube,
melhor, não? Psicólogos diriam que é uma tentativa de reprimir no outro algo
que deseja-se reprimir em si próprio, o que de fato deve contar para tal reação
generalizada. Mas há, também, outro fator: no futebol todos querem ser
vencedores, ricos, fortes e viris - e por mais que saibam que não há vergonha
em perder, ser pobre e frágil, ninguém quer isso para seu time (e ser gay é visto
como algo ruim). Quando a rivalidade entre em cena a coisa piora, porque além de
você querer se convencer que é foda e seu time é o melhor do mundo, o outro
perceberá qualquer sinal de fraqueza para te colocar para baixo e se sentir ele
o fodão (é triste mas é assim). Se somarmos a isso o habeas-corpus da
incoerência que o futebol proporciona (um corinthiano comunista é perfeitamente
capaz de defender que seu time ganhe mais dinheiro da Globo porque dá mais
audiência), fica praticamente automático para todos negar espaço para essas
torcidas-gay.
O objetivo do movimento, então, deveria ser acabar com essa associação homossexualidade=defeito no futebol, mas levando em conta a dificuldade apontada só vejo um caminho para isso, e ele está no 1o ponto levantado: as torcidas-gay tem que ser de fato torcidas. O único jeito de não fazer mais sentido pra uma torcida xingar a outra de "bicha" é colocar gente que se identifique como do movimento no estádio todo jogo apoiando o time, mostrando que, de fato, são iguais.
Enfim, não estou defendendo que as torcidas
"Livres" não existam, que o que está aí é certo, que uma torcida
chamar a outra de "viado" e que isso seja visto como desmoralizante
seja normal ou tentando justificar a reação dos torcedores. Esse texto é apenas
uma tentativa de analisar, entender e explicar o que se passa na cabeça de um
torcedor quando vê uma notícia dessas na página de seu time. Espero que ele
contribua pra que a discussão saia de um "Futebol é coisa de macho" X
"Todos os males do mundo vem do machismo e homofobia e colocar qualquer
contraponto à nossa luta é ser cúmplice do ódio histórico e da morte de milhões
de pessoas"
Resumo:
1- Nada contra as "torcidas-gays",
mas o que se vê aí (com exceção da Galo Queer, talvez) não são torcidas e o
resultado disso é mais provocação do que empatia
2- No futebol ser "bicha" é um defeito.
Pedir para um torcedor assumir um defeito de seu time em nome de uma causa (por
mais que ela seja justa) as vezes é demais. Ele não está disposto a discutir se
aquilo é de fato ruim ou não, ele sabe que é visto como ruim e quer
"defender" seu time daquilo
3- O texto não tenta justificar tal situação,
apenas explicar como o torcedor se sente
4- Para quebrar tudo isso, uma torcida-gay tem que ser tão torcida quanto as outras