EM PEQUENAS ALEGRIAS COTIDIANAS, A GENTE RECONHECE A ENORMIDADE DO FUTEBOL por Vitor Soares Tardelli Faço residência em psiquiatria, e estou no momento passando pelo CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), onde, basicamente, pacientes graves e/ou crônicos passam os dias em atividades que tentam enriquecer seus cotidianos. Pois bem. Tem um paciente aqui portador de esquizofrenia paranoide, com um delírio de perseguição bem grave com quase todo mundo. Ele dificilmente sai de casa por conta disso, e se sente vigiado por câmeras escondidas até dentro do seu quarto. Não conversa com pessoas desconhecidas e desconfia de suas irmãs. Recebi a informação, antes de conhece-lo, hoje, de que torcemos pelo mesmo time e de que ele gosta de futebol, mas nunca teve a oportunidade de ter isso explorado pelo serviço, já que o pessoal aqui não é muito fã do ludopédio. Me senti no DEVER MORAL de fazer essa abordagem. Não foi difícil. O paciente é xará do irmão famoso do Sr. Waldemar, e torcemos pelo último time da zona oeste paulistana pelo qual passou esse senhor. "O xará do senhor foi técnico do meu time. O senhor gosta de futebol?" Ignorando a pergunta, responde: "Esse Oliveira é melhor, né? Hoje é contra o Avaí às 9? Você já foi ao estádio novo?" E a conversa desenrola, como havia anos que não desenrolava. Com um completo desconhecido. Falou de Copa América, de Castrilli, de São Marcos, comparou Velloso e Gilmar Rinaldi, enalteceu Edmundo, lavou a alma com a prisão do Marin, debochou de rivais, sorriu, riu, se divertiu. Pela primeira vez em anos, possivelmente décadas, ele não quis ir embora de onde estava. Parecia ter tomado a poção da humanização. Na hora de ir embora, que eu tive que promover, ele manda a frase que ganhou meu dia: "mesmo horário semana que vem?". É só um esporte, eles disseram.


July 14, 2015 at 01:04PM

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